Texto: Diego Silva
Dando início à série CPTM 20 anos, vamos voltar vários anos no tempo, na
formação das ferrovias paulistanas que deram origem ao que hoje é a
CPTM. Inicialmente, falaremos da maior empresa ferroviária brasileira de
todos os tempos: A SPR (São Paulo Railway Company), que atualmente
representa as linhas 7-Rubi (Luz x Jundiaí) e 10-Turquesa (Luz x Rio
Grande da Serra).
Locomotiva da SPR, no pátio do Valongo (Santos)
A história da SPR remonta basicamente a história do desenvolvimento de
São Paulo. Durante grande parte dos anos 1800, notou-se a necessidade de
se sobrepor toda a região da Serra do Mar, com o objetivo de atingir o
porto de Santos, uma vez que este estava isolado de toda a região
produtora, que estava no planalto. Essa separação não se mostrava nem um
pouco interessante para a economia da época, e por volta de 1839, um
grupo de brasileiros preparou um primeiro projeto, para apreciação de
Robert Sthephenson. Robert era filho de George Sthephenson, construtor
da primeira locomotiva e também, idealizador da primeira estrada de
ferro que se tem notícia, na Inglaterra (entre Manchester e Liverpool),
sendo esta a precursora de todas as demais ferrovias mundiais. Esse
primeiro projeto foi considerado prematuro, e posteriormente, foi abandonado.
Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá
Em 1859, uma figura importante surge nessa história: Irineu Evangelista
de Souza, conhecido como Barão de Mauá. O barão convenceu o governo
imperial da época, informando a importância e necessidade de se realizar
a construção de uma estrada de ferro que ligasse São Paulo ao porto de
Santos. Após a autorização do governo imperial, Mauá ordenou os estudos e
os exames do trecho compreendido entre Jundiaí e o alto da Serra do Mar
(Paranapiacaba, atualmente). O trecho de 800 metros na Serra do Mar era
considerado impraticável na época, pois exigia muita cautela por parte
dos engenheiros, sendo que só poderia ser realizada com muita
experiência (algo raro na época, visto que as ferrovias eram construídas
para retas, e não para vencer rampas dessa amplitude). Diante de
tamanha dificuldade, Mauá foi atrás de um dos especialistas da época, o
engenheiro ferroviário britânico James Brunless.
A primeira grande dúvida que surgiu sobre a projetada São Paulo Railway era sobre os custos, já que o contrato firmado contemplava uma ferrovia de bitola larga (1,60 m), através do traçado mais curto, entre as cidades de Santos e Jundiaí. O Engº Brunless veio para São Paulo, examinar a Serra do Mar, e após avaliação, concluiu que uma estrada de ferro podia escalar a rampa, por um custo dentro dos limites estabelecidos, aceitando o contrato. Nesse parâmetros, faltava apenas alguém para executar o projeto. Mauá então foi atrás de Daniel Makinson Fox, engenheiro que havia adquirido experiência na construção de ferrovias através de montanhas, no norte do País de Gales, e das encostas dos Pirineus.
Viaduto da Grota Funda
Fox percorreu toda a Serra do Mar, de cima a baixo, vistoriando todo o
terreno, mas a descoberta de uma passagem através da muralha, na qual os
trens poderiam trafegar, só foi encontrada quando o engenheiro
desembarcava em Santos, pois a mesma só era possível avistar de longe.
Nesse tempo, Fox percebeu uma fissura, que ia até o cume, sendo a mesma
interrompida por uma grota, a princípio, intransponível. Esse obstáculo
era a Grota Funda, e deste ponto, foi possível vislumbrar a rota
definitiva para a estrada ao longo do vale do Rio Mogi. O engenheiro
propôs então que a rota para a subida da Serra deveria ser dividida em 4
declives, com o comprimento de 1.781m, 1.947m, 2.096m e 3.139m,
respectivamente, tendo cada declive, a inclinação de 8%.
No final de cada declive, seria construída uma extensão de linha, com
aproximadamente 75 metros de comprimento, chamada de 'Patamar', com uma
inclinação de 1,3%. Em cada um desses patamares, deveriam ser montadas
uma casa de força e uma máquina a vapor, para promover a tração dos
cabos. A proposta foi aprovada pelo Engenheiro Brunless, e uma nova
empresa foi criada: The São Paulo Railway Company Ltd.
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Constelação SPR: Trem-ambulância e as automotrizes Cometa, Planeta e Estrella |
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Torre do relógio, estação de Paranapiacaba |
Estação do Valongo, em Santos: quilômetro zero da SPR
A São Paulo Railway tinha seu quilômetro zero na cidade de Santos, mais
precisamente no bairro do Valongo, na região central. As linhas cruzam
as cidades de Cubatão, Santo André (Paranapiacaba), Rio Grande da Serra,
Ribeirão Pires, Mauá, novamente Santo André (região central) e São
Caetano do Sul, até chegar na capital Paulista. Na capital, os trilhos
separam bairros como Ipiranga e Vila Prudente, Cambuci e Mooca.
Seguindo, cruza os bairros do Brás, Luz, Bom Retiro, Santa Cecília,
Barra Funda, Lapa, Pirituba, Jaraguá e Perus. Entrando no interior, seu
trajeto também abrange cidades como Caieiras, Franco da Rocha, Francisco
Morato, Campo Limpo Paulista, Várzea Paulista e Jundiaí, onde termina,
no bairro de Vila Arens, no quilômetro 139.
Estação Luz, em construção (1898). Maior herança da SPR para a CPTM.
A construção da SPR foi um marco histórico. Além de ser a primeira
ferrovia paulista, foi importante canal de escoamento do café até o
porto de Santos, e tornou-se também muito útil para trens de
passageiros. Foram construídas diversas estações por onde as linhas
passavam, e juntamente com a SPR, São Paulo foi crescendo e se
desenvolvendo onde hoje é a região metropolitana. Os trens faziam
paradas em estações rústicas, e ao redor dessas estações foram nascendo
vilas que viraram cidades. Ainda hoje, é possível encontrar estações no
mais puro padrão SPR. Alguns exemplos de estações em padrões originais:
Rio Grande da Serra, Ribeirão Pires, Luz, Jaraguá, Franco da Rocha,
Várzea Paulista e Jundiaí.
Locomotiva English Electric - Estrada de Ferro Santos-Jundiaí
Em 13 de setembro de 1946, terminou o contrato de 80 anos de exploração
da SPR, e a empresa teve seu fim decretado, sendo absorvida pelo governo
federal. Rebatizada como EFSJ (Estrada de Ferro Santos à Jundiaí) em 27
de setembro do mesmo ano. Em 1956, dez anos depois, a EFSJ foi
componente da nova RFFSA (Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima),
que junto com outras ferrovias existentes, formaram essa nova entidade
que cuidava de todo o patrimônio e operações ferroviárias do Brasil. Com
a criação da EFSJ, deu-se início às compras de material rodante para
passageiros, e também para cargas. Podemos citar como exemplos maiores
as locomotivas English Electric (conhecida como 'pimentinhas'), e os
trens da série 101 (alguns, inclusive, são hoje a frota 1100 da CPTM), e
das séries 401 (atuais 1400) e 431 (atuais 1600).
A SPR deixou de herança para o que hoje é a CPTM, um importante
patrimônio histórico e cultural, pois a força e relevância de uma
empresa que nasceu graças ao esforço de muitos, ainda hoje é lembrada,
em um trecho que continua sendo de suma importância para a população de
São Paulo. A linha que liga Santos a Jundiaí existe até os dias de hoje,
mas não é utilizada em sua totalidade por passageiros. O trecho entre
Rio Grande da Serra e Paranapiacaba é utilizado somente para cargas, da
concessionária MRS Logística, que tem direito de passagem até Jundiaí,
inclusive. As estações hoje são pontos-chave de cidades que se
desenvolveram ao lado da ferrovia.
Frota 401 (atuais 1400), adquiridos pela EFSJ
Amanhã, no blog CPTM em Foco, a história da Estrada de Ferro Sorocabana,
que deu origem à lendária FEPASA, e às linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda.
Acompanhe diariamente a série CPTM 20 anos! Serão mais de 30 matérias
sobre as duas décadas da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos!
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